ADVERTÊNCIA

Este Blog contém algumas de minhas ideias, crenças e valores. Por não ter o objetivo de ser referência, não deve ser acolhido como "argumento de autoridade" e, muito menos, como verdade demonstrativa, cartesiana.

Aqui o leitor encontrará apenas reflexões e posições pessoais que poderão ser peneiradas e, por isso mesmo, rejeitadas ou aceitas, odiadas ou amadas. Assim, não espere encontrar fidelidade a alguma linha de pensamento ou a uma ideologia em particular. Permito-me a contradição, a incerteza, a hesitação, a descrença, a ironia; permito-me pensar.

Após as leituras, sei que uns concordarão, outros não, e haverá também os que encerrarão a visita levando uma pulga atrás da orelha. Não me importo. Se causar alguma reação, mesmo o desassossego, considero que atingi o meio. O fim fica por sua conta.

Abraços a todos e boa leitura.

PS: Acesse também: http://moisesolim1.blogspot.com.br/

sábado, 14 de janeiro de 2012

CASA GRANDE E SENZALA

Tudo parecia, finalmente, estar em ordem, pelo menos enquanto a luz estivesse acesa; apagasse, mesmo por um instante, e a surpresa seria enorme ao reacender. Há boatos de que, numa certa ocasião, quando voltou a energia, homens machões foram vistos de meia-calça, e outros muitos virtuosos com maços de dinheiro na cueca ou dentro de livros sagrados. Não me lembro da explicação exata que deram, mas a história chegou desse jeito aos dias de hoje: tudo não passava de mentiras, de fuxicos, de coisa do capeta.


De qualquer forma, a evolução lhes havia ensinado uma certa organização interna: havia um líder, com assistente e com assistente do assistente, porque é preciso ter alguém para seguir; capangas, para manter a ordem e o progresso; religiosos, para alimentar a transcendência, pois afinal de contas nem só de mandâncias vivem os homens; pensadores, para que se pudesse pensar o que ninguém tinha tempo e direito... Os jovens eram ensinados a casar e a ter filhos. Ah, sim, isso sim. Ter filhos era essencial para manter a estrutura: haver pessoas para trabalhar e servir era essencial. As mulheres estavam sob controle total: deveriam estar submissas aos homens, gerar filhos, cuidar da vida delas, receber respostas apenas dos seus maridos (só eles estavam certos) e, sobretudo, ficar caladas (algo sobrou disso em alguns pobres antros modernos). Tudo estava “organizado”. De vez em quando, uma confusão aqui, outra ali, mas logo os jagunços entravam em ação e reenquadravam todo mundo nas normas. Nada que uns bons pontapés, gravatas, socos e, por que não, alguma vítima fatal exemplar não pudessem resolver rapidamente, restabelecendo a paz e a tranquilidade na casa dos homens.

Mas isso não durou para sempre. Um dia, o filho do patrão resolveu ir à Senzala. Poucos gostaram da ideia. Que será que esse cara veio fazer aqui? Certamente, vem nos estorvar. Só faltava essa, agora! No mínimo, não tem o que fazer e aí quer nos perturbar! Que coisa chata! A versão oficial que rolou e que chegou até mim diz que ele apareceu por lá para “pôr ordem na casa”, porque bastava apagar as luzes e a sacanagem rolava solta, mas as más línguas dizem que ele foi mandado “na marra” para ver como se vivia mal nessa pocilga (gigante, mas não menos pocilga), e então começar a dar valor ao que tinha lá na Casa Grande. Não sei. Versões são versões, e como a gente segue a que melhor nos parece, fique o leitor com a sua.

O fato é que ele foi até lá. Ficou tempo suficiente para ver, ouvir, sentir o que se vivia. Comeu, bebeu, dormiu... Trabalhou como uma mula para melhorar aquela joça. Chorou, riu, suou a camisa pacas. Batia bom papo com pinguços, drogados, putas, traficantes, ladrões, políticos, e outras gentes desse naipe; ajudava os doentes, os marginalizados, os miseráveis e fedidos, e todo o tipo de gente feia, como ele mesmo assumia ser. Era amigo de crianças, de velhinhas e de baixinhos. Poderíamos resumir sua estada na Senzala numa só palavra: experimentou. Cabra forte! Aguentou gente irritante, traiçoeira, linguaruda, ingrata (e os piores eram os religiosos, cruz credo!), levou boas pancadas publicamente. Troço feio e vergonhoso. Não era à toa que, de vez em sempre, ele procurava um lugarzinho solitário para anotar tudo o que faziam com ele. E olha que muita coisa acabou sendo deixada de lado, porque eram superadas por outras maiores. Ia contar tudo para seu pai! Não, não era só para isso, não. Tinha mesmo a intenção de deixar “por escrito” o tipo de gente que tinha lá, para quem estivesse interessado. As gerações seguintes deveriam saber porque acabariam sendo eliminados. Que inferno era aquilo!? E tão próximo da Casa Grande! Que horror!

Não demorou muito para se encher e começar a dedurar as fachadas e arrumar confusão feia. Nos intestinos delgado e grosso, uniram-se os religiosos e os políticos e, daí, como a gente bem sabe, só poderia dar merda. Agora que a “coisa” está organizada, chega o filhinho do dono e quer receber os louros? Aqui, não! Que volte para a Casa Grande e regale-se por lá. Não se importou, o seu negócio era outro. Botou lá dentro uma luz mais forte da que já existia, capaz de penetrar as pessoas, dessas que estripam a alma de qualquer caboclo. Que nojento! Era possível vê-las naquilo em que se transformavam quando o breu se esparramava: ninguém era mais de ninguém e tudo era de todos. Como ele não estava ali por conta própria, fazia o que queria e não demorou muito para mandar alguns calarem a boca. Não se sabe ao certo se chegou a meter a mão na cara de alguém (haja paciência), mas pelo que reza a história, ele desceu foi o cabo de vassoura na cabeça de alguns que estavam transformando a propriedade de seu pai naquela sem-vergonhice.

Não deu outra: mataram-no.

MF

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário.