“Respondeu Jesus e
disse-lhe: na verdade, na verdade te digo: se alguém não for gerado do alto não
pode ver o reino de Deus.(...) Não te admires porque te disse: necessário vos é ser gerado do alto." (João 3.1-7)
Na voz ativa, o verbo grego guenáo significa “gero”,
“faço nascer”, “produzo”; na voz média, guenáomai tem o sentido de “crio”, “faço nascer de mim
mesmo”, “produzo de mim mesmo” e, daí, “nasço”. A forma que aparece no texto de João é guenethê, um
subjuntivo aoristo na voz passiva, cuja tradução literal é “se for gerado”. Assim, não é
possível encontrar, na base verbal, nenhuma idéia de repetição "de novo". Se assim fosse, com a mesma raiz verbal prefixada por uma forma adverbial, a língua grega
possui o verbo anaguennáo que carrega o sentido de
“renasço”, “nasço de novo”.
Das formas empregadas, chamamos a atenção, ainda, ao termo ánothen, que também é fonte de problemas quanto a sua tradução.
Trata-se de um advérbio sintético constituído por dois elementos: o primeiro é áno
“em cima”, cujo
antônimo é káto: "abaixo", "debaixo". Uma exemplificação farta pode ser citada do emprego de áno no Novo Testamento:
“E prosseguiu: Vós sois cá de baixo, eu sou de cima (áno); vós sois deste mundo, eu deste mundo não sou.”[1]
“De acordo com o objetivo, eu estou em movimento em
direção ao prêmio do alto (áno) chamado de Deus em Cristo
Jesus.”[3]
“Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo,
buscai as cousas lá do alto (áno), onde Cristo vive,
assentado à direita de Deus. Pensai nas
cousas lá do alto (áno), não nas que são aqui da terra”.[4]
“Tiraram então a pedra. E Jesus, levantando os olhos ao
alto (áno), disse: Pai, graças te dou porque me ouvistes” [5]
“E mostrarei prodígios em cima (áno) no céu; e sinais embaixo
na terra, sangue, fogo e vapor de fumaça.”[6]
O segundo elemento é -then, uma partícula que indica
origem, com noção de lugar “de onde”. Com ela se tem várias construções
adverbiais como: enguýthen, "de perto"; éndothen, "de
dentro"; pórrothen, "de longe"; kátothen, "de
baixo"; e também, ánothen, "de cima", "do
alto", "a partir de cima".
Ánothen também é empregada várias
vezes no Novo Testamento, como em:
“Eis que o véu do santuário se rasgou em duas partes, de
alto (ánothen) a baixo : tremeu a terra,
fenderam-se as rochas...” [7]
“Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim,
se de cima (ánothen) não te fosse dada; por isso quem me entregou
a ti, maior pecado tem.”[8]
“Toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do alto (ánothen), descendo do Pai das luzes,
em que não pode existir variação, ou sombra de mudança”[9]
“Esta não é a sabedoria que desce lá do alto (ánothen); antes é terrena, animal e
demoníaca. A sabedoria, porém, lá do
alto (ánothen) é, primeiramente, pura; depois, pacífica,
indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem
fingimento.”[10]
Em todos esses contextos, a mesma palavra grega foi
traduzida por “do alto” ou afins, e não por “de novo”, como em João, pois o conteúdo
semântico de ánothen é “vindo de cima” ou “de
cima para baixo”. Está aí apontado um dos problemas de tradução do Novo Testamento.