ADVERTÊNCIA

Este Blog contém algumas de minhas ideias, crenças e valores. Por não ter o objetivo de ser referência, não deve ser acolhido como "argumento de autoridade" e, muito menos, como verdade demonstrativa, cartesiana.

Aqui o leitor encontrará apenas reflexões e posições pessoais que poderão ser peneiradas e, por isso mesmo, rejeitadas ou aceitas, odiadas ou amadas. Assim, não espere encontrar fidelidade a alguma linha de pensamento ou a uma ideologia em particular. Permito-me a contradição, a incerteza, a hesitação, a descrença, a ironia; permito-me pensar.

Após as leituras, sei que uns concordarão, outros não, e haverá também os que encerrarão a visita levando uma pulga atrás da orelha. Não me importo. Se causar alguma reação, mesmo o desassossego, considero que atingi o meio. O fim fica por sua conta.

Abraços a todos e boa leitura.

PS: Acesse também: http://moisesolim1.blogspot.com.br/

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A LIBERDADE NO FILHO DE DEUS

Moisés Olímpio Ferreira


Efésios 1.
3 Bendito o Deus e pai do senhor de nós Jesus Cristo, aquele que nos bendisse em toda bendição espiritual nas {regiões} celestiais, em Cristo,
4 como elegeu-nos para si nele antes da fundação do mundo para sermos, nós, santos e sem censura à vista dele em amor,
5 tendo-nos posto à parte de antemão para colocação de filho através de Jesus Cristo, para ele, segundo o bom parecer da sua vontade dele...


Paulo, indubitavelmente, foi o maior exegeta cristão do primeiro século. E em razão de sua missão gentílica, o tema “liberdade” percorreu seu evangelho. Para ele, Cristo era a liberdade no sentido mais amplo possível. Ele fala em liberdade da glória dos filhos de Deus (Rm 8.21), em liberdade no viver cotidiano (1Cor. 8.1-11 e 10.25-31), em liberdade espiritual pela presença do Espírito Santo (2 Cor. 3.17), em liberdade face aos ritos e tradições (Gl. 2). Na carta aos Gálatas (5.1), há uma expressão magnífica a esse respeito: pela liberdade, Cristo nos tornou livres.


Por que razão liberdade e Cristo estão associados? Que relação há entre os dois? É evidente que não temos a pretensão de esgotar o tema, mas sem a devida compreensão inicial do que propomos apresentar, todas as demais manifestações perderão o foco e serão indevidamente percebidas como grandezas absolutas: a parte entendida como todo.

Em sua carta aos Efésios, Paulo introduz a seguinte idéia: Deus “em Cristo” estabeleceu um Plano de Ação na era em que ainda não havia a noção de tempo, isto é, antes do tempo crônico existir. Ele diz (1.3-5):


3 Bendito o Deus e pai do senhor de nós Jesus Cristo, aquele que nos bendisse em toda bendição espiritual nas {regiões} celestiais, em Cristo,
4 como elegeu-nos para si nele antes da fundação do mundo para sermos, nós, santos e sem censura à vista dele em amor,
5 tendo-nos posto à parte de antemão para colocação de filho através de Jesus Cristo, para ele, segundo o bom parecer da sua vontade dele...

Com isso, o escritor trouxe à luz algumas ações divinas relativas à humanidade a partir da Sua própria posição atemporal: ...anterior à fundação do mundo (1.4) [1], na eternidade passada. É interessante observar que, não só os atos históricos divinos, mas também os acrônicos, têm o mesmo centro: o propósito eterno do Pai no Filho e suas diversas implicações.
Vejamos um pouco mais de perto essa relação Pai-Filho. O bendito revela-se por meio do Filho, ou seja, manifesta-se como o Deus e pai do senhor de nós Jesus Cristo, expressão essa que podemos encontrar em várias outras passagens. Como afirma Dunn (2003:56): Deus é o pressuposto fundamental da teologia de Paulo, o ponto de partida da sua teologização, o subtexto primário de toda a sua obra escrita (...). Via de regra nas cartas paulinas Deus é mencionado logo de início como fato primário de legitimação atrás da obra da vida de Paulo (2Coríntios 1.1; Efésios 1.1; Colossenses 1.1; 2Timóteo 1.1, Gálatas 1.1).

O que o apóstolo deixa claro é que o Deus criador, agora manifestado como Pai (em uma nova condição: relação de intimidade), estabeleceu o bom juízo da Sua vontade (1.5) - nas eras não-mensuráveis. Assim, a procura de ajustar Seus atos à teologia simplesmente histórica, é tentar restringi-Lo ao ato criador; é interpretá-Lo pela aparência, pela manifestação, o que é passível de tantas interpretações quanto o número de intérpretes existentes, ou quantos forem os pontos-de-partida convencionados (a inocência, a consciência, o reino humanos etc), pois fica sujeito ao olhar do ser individual aprisionado no tempo e na recepção pessoal. Mas Paulo alerta em Romanos 8.29 que, aos que Deus conheceu de antemão, pôs à parte de antemão para Si mesmo. O advérbio grego pró remete ao antes, ao momento pré-aparente e, entender essas afirmações pelo ponto de partida, como geralmente se faz, da criação – portanto, crônico - produz ajustes por coerção e implicações que desajustam o foco da revelação.
Em I Coríntios 2.7, Paulo escreve: ...falamos a sabedoria de Deus...a qual Deus separou de antemão frente ao tempo-sempre para a nossa glória. A ação de pôr à parte de antemão e tantas outras ações estão em função da vontade eterna do Pai; ela foi feita segundo Ele mesmo decretou para Seus próprios fins: ...separados de antemão segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade (1.11).

É preciso esclarecer que o texto não está falando da necessária Redenção[2], pois os sofrimentos de Cristo não foram – nem mesmo judicialmente - admitidos nos tempos eternos. João, em Apocalipse 13.8, diz que o Cordeiro foi morto, não na eternidade, não desde a eternidade, não antes da fundação do mundo, mas desde a fundação do mundo. No tempo-sempre de Deus, a marca do pecado não estava presente e a cruz histórica era desnecessária.

Esse bom juízo da Sua vontade no Filho permaneceu no Pai durante eras indetermináveis. Não se pode estabelecer quando foi que o Projeto foi pensado e quando ficou totalmente definido. Paulo usa a palavra mistério para tratar o que lhe foi revelado a respeito desse assunto: ...conforme a revelação do mistério ... que, agora, se tornou manifesto... (Rom. 16.25). Na carta aos Efésios, o apóstolo usa seis vezes essa palavra e sempre relacionando Deus, Cristo e o homem:

a) “...desvendando-nos o mistério da sua vontade...”(1.9),
b) “me foi dado conhecer o mistério conforme escrevi há pouco...” (3.3),
c) “...podeis compreender o meu discernimento no mistério de Cristo...” (3.4),
d) “...e manifestar qual seja a administração do mistério...” (3.9),
e) “Grande é este mistério...” (5.32);
f) “para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do evangelho...” (6.19).
O apóstolo acrescenta que esse mistério era um segredo de Deus oculto nEle mesmo desde o tempo da eternidade até a revelação de Cristo: ...desde os séculos, oculto em Deus...(Ef. 3.9); ...guardado em silêncio pelos tempos eternos...(Rom. 16.25); ...o qual em outras gerações, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como, agora, foi revelado...(Ef. 3.5). Paulo assevera que a mensagem que ele pregava era a sabedoria de Deus que tinha estado ...oculta... (1Cor. 2.7).

A epístola paulina aos Colossenses (1.26-27) esclarece-nos mais:

...o mistério escondido das eras e das gerações foi, agora, foi manifestado aos seus santos, aos quais Deus quis dar a conhecer quanto à riqueza da glória desse mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, a esperança da glória... (Col. 1.26-27).

Também bem explicativas são as palavras de Paulo aos Colossenses (2.2): ...para que... eles tenham toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus: Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos.


O Projeto, que até então estava bem guardado, é Cristo, não no sentido da encarnação (amplamente profetizado), mas quanto à extensão e conseqüência de sua obra. Tudo o que se deu e que se dará terão como núcleo a pessoa de Cristo, o Eleito Eterno do Pai; Ele é o realizador e o centralizador de tudo: ...Este é o meu Filho, o eleito... (Lucas 9.35). O termo usado para eleito é um hápax legómenon, forma verbal que indica eleição definitiva: Jesus foi, é e sempre será o Eleito de Deus, o Filho Eterno Eleito do Pai.

Essa eleição se dá sob o âmbito posicional e é por isso que Ele é o ...o primogênito de toda a criação... (Col. 1.15), ...o primogênito dentre os mortos... (Col. 1.18, Apc. 1.5), ...o primogênito entre muitos irmãos...(Rom. 8.29). Essa primogenitura refere-se aos Seus direitos, à Sua posição preeminente sobre tudo e sobre todos.
Isso é nítido na teologia paulina:
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém (Rom. 11.36),
Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste (Col. 1.16,17),
Ele é o cabeça de todo principado e potestade (Col. 2.10).

Se apenas examinarmos os primeiros versículos da epístola aos Efésios já poderemos notar como o apóstolo eleva o Filho e O coloca acima de tudo e de todos (exceto do Pai[3]): Cristo é o Filho do Deus-Pai (1.3) que nos abençoou nEle (1.3); que nos escolheu nEle (1.4); que nos pôs à parte de antemão para a filiação por meio dEle (1.5); que nos concedeu a Sua graça nEle (1.6); em Cristo temos a Redenção (1.7); o Pai revelou-nos o mistério da Sua vontade em Seu Filho (1.9); o Pai planejou convergir todas as coisas nEle (1.10); fomos feitos herança nEle (1.11); a esperança está nEle (1.12); fomos selados com o Espírito Santo da promessa nEle (1.13). Essa posição foi-lhe atribuída pelo Pai, que há de convergir em Seu Filho todas as coisas. Quando a plenitude dos tempos[4] for alcançada, tudo o que há se curvará diante do Filho:

Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus é Senhor, para glória de Deus Pai (Filipenses 2.9-11).

Todos se curvarão diante do Ungido e se submeterão ao Seu senhorio, pois o Pai O constituiu ...herdeiro de todas as coisas... (Heb. 1.2).
Destacamos que os versículos 3, 5, 9 e 10 do capítulo 3 de Efésios apresentam a extensão do conhecimento a respeito do mistério. Foi revelado: 3: a Paulo; 5: aos apóstolos e profetas; 9: a todos os homens; 10: aos seres das regiões celestes.

Sendo assim, não poderia ser diferente: Cristo, a imagem entalhada de Deus (imagem gravada/entalhada da substância/ser dele - Hebreus 1.3), em estado gracioso (pleno de graça - João 1.14), apresentou e chamou a humanidade caída (afetada pelo pecado) a participar com liberdade da Vontade Eterna (não alterada em razão do pecado) de Deus.

É em razão disso que por várias vezes Paulo chama a atenção de seu leitor para a importância de “estar em Cristo”. Esse estado do cristão é que o faz encontrar-se com a “verdadeira liberdade” (João 8.36: Se o filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres).
Nesse sentido, a expressão metafórica em Cristo Jesus (Ef. 1.1 et alii) é muito comum no corpus paulinum e aponta para o que no passado fora mistério. Para o apóstolo, a vida cristã concentra-se em Cristo. Essa posição é condição necessária para a participação do Projeto de Deus: Romanos 6.11 – vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor; Romanos 8.1 – nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus; Romanos 12.5 – somos um só corpo em Cristo; 1Coríntios 1.2 – santificados em Cristo; 1Coríntios 15.18 – dormiram em Cristo; 19 – se esperamos em Cristo; 22 – todos serão vivificados em Cristo; 2Coríntios 5.17 – se alguém está em Cristo; Gálatas 2.17 – procuramos ser justificados em Cristo; Gálatas 3.26 – todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus; 28 – sois um em Cristo; entre outros.
Paulo anuncia a reconciliação: liberdade para achegar-se ao Pai, isto é, o canal entre o homem e o Deus está livre. O homem tem “em Cristo” (o centro do bom desejo do Pai) o caminho desobstruído, acessibilidade. Vejamos mais de perto o capítulo 3 de Efésios, versículos 8 a 12:

3.8 A mim, ao menor dentre todos os santos, foi dada esta graça: aos gentios anunciar as boas novas em relação à riqueza de Cristo que não se pode encontrar seguindo pistas
3.9 e iluminar [todos] qual a economia do mistério que esteve na condição de escondido desde as eras em Deus, naquele que construiu todas as coisas,
3.10 a fim de que seja feita conhecida, agora, aos governos e às autoridades nas {regiões} celestiais, através da igreja, a multidiversificada (multicolorida> multivariada) sabedoria do Deus,
3.11 de acordo com a colocação antes das eras a qual ele fez no Cristo Jesus, o Senhor de nós,
3.12 em quem temos a liberdade para falar (franqueza) e acesso em confiança, através da fé, à presença dele.

Foi dada a Paulo a graça de anunciar as riquezas de Cristo (3.8), de iluminar os homens quanto ao mistério que estava escondido (3.9) para que a sabedoria de Deus pudesse ser conhecida, por meio da Igreja, nas regiões celestiais (3.10). Isso está de acordo com o Projeto Eterno Cristocêntrico do Pai (3.11). A mediação da fé na revelação do Filho instaura o condição de liberdade para falar, o acesso confiante à presente do Pai – 3.12. Em Cristo, pela fé, os seres humanos podem falar livremente com Deus e achegar-se à presença dele.

Efésios 2.18, falando sobre a comunicabilidade homem/Deus, diz:

2.18 porque por meio dele temos o acesso - os dois em um só espírito - ao Pai.
A expressão em quem (3.12) mostra a pessoa em quem estamos tendo liberdade para falar. Mostra também em quem temos confiante acesso à presença de Deus. Por meio da fé indica enfaticamente o instrumento (>meio) através do qual ocorre a comunhão. Cristo é a pessoa-canal que permite o comparecimento livre do homem à presença de Deus. É por Ele que o ato verbal expresso por e;comen, estamos tendo, passa.

O verbo no indicativo temos é uma asseveração. Paulo dá como certo que todos (judeus e gentios, ambos - Efésios 2.18) em Cristo têm e continuam tendo acesso ao Pai. É a universalidade da igreja, do corpo de Cristo, do evangelho, de Deus no mundo.

Isso tudo me faz lembrar daquele magnífico convite de Hebreus 4.16:


Portanto, entremos no ato de achegar-se (acheguemo-nos), com liberdade, ao trono da graça, para que recebamos misericórdia e encontremos graça para ajuda em tempo oportuno.
A idéia desse texto indica ato em continuidade. O próprio subjuntivo - que marca a noção de eventualidade – também chama a atenção sobre o evento contínuo, assim que desencadeado o processo verbal: comecemos a entrar e continuemos no ato de achegar-se a. Em razão de Cristo – revelador da vontade eterna de Deus a toda a criação -, a aproximação segura, possível, livre entre Criador/criatura > Pai/filho foi estabelecida. Esse sentido já foi demonstrado em Efésios 2.18: porque por meio dele estamos tendo (ato contínuo, em progresso) o acesso... em que Cristo é o elo central.
Assim, grosso modo, todas as facetas do que denominamos liberdade cristã estão sujeitas à idéia central paulina de que a concretização do projeto eterno de Deus em Seu Filho – em realização em meio à queda, mas não influenciado por ela - concede aos que estão em Cristo o livre acesso ao trono do Pai e aos resultados dessa relação.

[1] A palavra kósmos não possui sentido único. No Novo Testamento, ela pode significar o mundo físico, criado e dividido geograficamente (Mc. 16.15), a raça humana (João 3:16), o sistema de organização decaído (João 14.17), as ocupações e responsabilidades da vida (1Cor. 7:33,34), épocas (2Pedro 2:5). Há também o uso raro significando adorno, enfeite (1Pedro 3.3). Os textos que utilizamos para a exposição deste trabalho possuem sentido ligado à criação.
[2] Apocalipse 17.8 diz que os nomes dos não salvos já não estavam escritos no Livro da Vida “...desde a fundação do mundo...” mostrando-nos que a questão da salvação foi judicialmente tratada no tempo cronológico (mesmo que Deus conhecesse a situação bem antes disso ocorrer). O texto indica que, apesar de toda a responsabilidade humana que possa estar presente no resgate dos indivíduos em seu tempo presente, Deus já de antemão os conhece; Ele sabe quem será salvo e quem não o será. A Providência divina diante do fato da queda já estava concluída “...desde a fundação do mundo” (Hebreus 4:3). Sob este ponto de vista, a obra da cruz é o mecanismo divino para que o homem retome ao Plano original; ela não pode ser entendida como o fim de tudo, mas, pelo contrário, como a capacitação para começarmos a ser o que Ele desejava.
[3] Cristo, submisso ao Pai, vivendo para agradá-Lo, “...também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos”(1Coríntios 15.28).
[4] Paulo emprega a expressão de duas maneiras. Em Efésios 1:10, a expressão a plenitude dos tempos oportunos refere-se à concretização final do propósito de Deus em Cristo; em Gálatas 4.4, a plenitude do tempo crônico refere-se à encarnação.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Adeus...

Adeus,
Não chores.
Basta-me a dor, por que vivi.
Em vez, canta a velha lira
de descanso maternal.

MF