ADVERTÊNCIA

Este Blog contém algumas de minhas ideias, crenças e valores. Por não ter o objetivo de ser referência, não deve ser acolhido como "argumento de autoridade" e, muito menos, como verdade demonstrativa, cartesiana.

Aqui o leitor encontrará apenas reflexões e posições pessoais que poderão ser peneiradas e, por isso mesmo, rejeitadas ou aceitas, odiadas ou amadas. Assim, não espere encontrar fidelidade a alguma linha de pensamento ou a uma ideologia em particular. Permito-me a contradição, a incerteza, a hesitação, a descrença, a ironia; permito-me pensar.

Após as leituras, sei que uns concordarão, outros não, e haverá também os que encerrarão a visita levando uma pulga atrás da orelha. Não me importo. Se causar alguma reação, mesmo o desassossego, considero que atingi o meio. O fim fica por sua conta.

Abraços a todos e boa leitura.

PS: Acesse também: http://moisesolim1.blogspot.com.br/

terça-feira, 12 de agosto de 2008

DISCÍPULO: ÉTICA E AÇÃO [1]


...pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras,
generosos em dar e prontos a repartir
(I Tim. 6.18)



Não são poucos os textos já produzidos que focalizam as técnicas de gerar e de formar discípulos. Os enfoques pendulam do kérygma[2] (proclamação) do reino gracioso de Deus para arrependimento e conversão a Cristo (busca de discípulos) à didakhé (instrução) cristã dirigida ora aos recém-convertidos, ora à comunidade evangélica em geral. Assim, encontramos tanto os discursos que privilegiam a anunciação cristã, quanto os que enfatizam os aspectos parenéticos que visam, na maioria das vezes, à simples formação ética.

É nítido, entretanto, que os ensinamentos centrados apenas no bom comportamento ficam aquém da didakhé primitiva. Esta, muito além das instruções éticas, era composta pelo conteúdo do kérygma, pelo conjunto de ensinamentos destinados à comunidade, pelo processo argumentativo a favor das Escrituras, entre outros. Reduzida ao nível dos procederes, o poder de transformação social da instrução é apagado e, naturalmente, o da proclamação, enfraquecido.

É certo que o Novo Testamento possui uma grande lista de vícios individuais do “velho homem” (adultério, ira, jactância, bebedeira, dissensões, embriaguez, inimizades, fingimento. inveja, insensatez, murmuração, prostituição, cobiça, fraude, soberbia, impureza, hipocrisia, ciúme, mentira, malícia, desobediência aos pais, calúnia, impiedade, roubo, perversidade, entre outros) dos quais o cristão deve separar-se. As paixões carnais que lutam contra a alma deverão ser vencidas. Entre a Virtude e o Vício, o caminho a ser escolhido é o da Virtude, constituído segundo o Criador.

Mas a relação denunciante dessas práticas é apenas um lado da moeda parenética. Enquanto encontramos partes significativas de conselhos que são apresentados sob a perspectiva negativa, há também um grande número de valores positivos: amor aos inimigos, oração pelos perseguidores, não revide diante da vergonha sofrida, perdão, respeito, misericórdia, justiça, bondade, humildade, fé demonstrada em obras, simplicidade, paciência, trabalho em grupo para o bem comum, renovação mental e espiritual, fidelidade, etc. que devem compor o caráter do cristão.

Se as instruções forem consideradas somente a partir do que se deve evitar, o cristão “se isentará do mundo”, tenderá a fechar-se em seu universo religioso e a renunciar seu papel de produtor de transformação social. Quando muito, suas ações se restringirão a uma proclamação centrada ou em questões espirituais, ou em comportamentos de afastamento e, conseqüentemente, a um kérygma mutilado. A instrução pretende muito mais do que isso: ela gera a prática exercida por sujeitos sociais, por homens que produzem e alteram a história.

Tomemos como exemplo para esta nossa reflexão o amor. Se as ações concretas universais forem desconsideradas ou particularmente reinterpretadas, a educação cristã se reservará à prática caridosa em eventos pontuais, a trabalhos ínfimos de desencargo de consciência, ao amor corporativo, ou ainda mais restritamente, ao amor entre os iguais; pode-se ainda pensar em um amor abstrato, uma espécie de sentimento pseudo-caridoso sem manifestações pragmáticas. Essa visão de cristianismo criou santos com alto grau de insensibilidade. Fica evidente, portanto, que as instruções de Cristo têm amputada a sua parte essencial.

Por sua vez, no Novo Testamento há um contínuo gradativo crescente: o amor de Deus ao mundo (...Deus amou o mundo...- João 3.16) proporciona ao homem o pode amar (...nós estamos amando, porque ele [Deus] primeiro nos amou... – I João 4.19) não só a Deus em condições simetrizadas (amá-lo de todo coração e de todo o intelecto e de toda força... – Marcos 12.33a), mas também aos irmãos (se assim Deus nos amou, também devemos amar uns aos outros - I João 4.11) e àqueles que estão no limite das relações (amar o próximo como a si mesmo... - Marcos 12.33b) e ainda aos que, odiando os cristãos, permitem que o amor extravase e atinja o seu grau máximo de realização: (amai os vossos inimigos e dirigi preces a favor dos que vos perseguem – Mateus 5.44).

Não se deve pensar que essas instruções estejam reduzidas à proclamação das boas-novas de salvação, como se “amar os irmãos”, “amar o próximo” e “amar os inimigos” pudessem ser limitados ao anúncio do reino ou a algum conjunto de normas para o bom comportamento; “amar a Deus”, nessa perspectiva, seria apenas o cumprimento dessa missão. Pensar dessa maneira faz-nos ter uma moeda unifacial, incompleta, imperfeita e, não menos, falseada.

Conseqüências ética e teologicamente funestas dessa postura é a irresponsável transferência do bem - que compete sobretudo ao novo homem fazer – à ação divina unicamente, e a crença de que o mal facilmente reconhecível – contra o qual a igreja deveria opor-se concretamente – é conseqüência da condição espiritual decaída que só pode ser tratada mediante ação direta de Deus. Em outras palavras, só Deus pode fazer alguma, seja o bem seja o mal, o que anula a verdade de que a igreja O representa no mundo. É por essas razões que não é raro encontrarmos, dentro de uma mesma comunidade, como se fosse algo completamente natural e sem provocar qualquer peso de consciência, pessoas que desfilam carros importados e outros que vão e voltam a pé para suas casas distantes; gente que se veste com roupas de griffe e gente que tem apenas uma muda; famílias protegidas com os melhores planos de saúde, enquanto há as que dependem da incompetência do serviço público, da própria sorte, ou de um milagre; os que vivem em clínicas de emagrecimento pela abundância excessiva sobre a mesa, e os que dependem da “bondade” de uma cesta básica humilhante.

Nessa perspectiva, nega-se que pela instrução perpetuam-se idéias vivas cujo fim é agir sobre o mundo natural, influenciando-o a reverter seu estado de miséria, de injustiça, de diferenças sociais, de ignorância. São os bons frutos que a boa árvore deve produzir (Mateus 7.17); proclamar “Senhor” e ensinar outros a dizer “Senhor” sem ações bondosas com poder de transformação é construir o (e constituir-se como) indivíduo cristão em fundamento pusilânime.
Na verdade, é menos do que isso: é investimento vazio no reino de Deus: "pois assim como o corpo sem espírito, cadáver é, assim também a fé sem obras, cadáver é." – Tiago 2.17.

As didakhaí de Jesus relacionam moral e ética com misericórdia, compassividade, hospitalidade, bondade, mansidão, mesmo que, no limite, o princípio da reciprocidade não seja respeitado. Como diz Matera[3]: "Ele recomenda o amor dos inimigos porque esse amor imita a compaixão de Deus." Ao rico, que afirmara já ter ouvido e aprendido a Lei, Jesus recomenda ações que demonstrem concretamente a sua fé: "se queres ser completo, vai, vende as coisas possuídas de ti e dá aos pobres, e tereis um tesouro nos céus...". Depois disso feito, ele seria aceito como discípulo: "...e aqui segue-me". – Mateus 19.21. Não sabemos o conteúdo da conversa existente entre Cristo e Zaqueu, mas o texto lucano diz que de odiado, o chefe coletor de impostos passou a ser chamado de “descendente de Abraão” porque iria agir, sem avareza, com bondade e justiça (Lucas 19.9).

Da lista de conselhos que Paulo escreve aos cristãos em Roma, destacamos dois: 1o.) "...tornando-vos comum com as necessidades dos santos" (relação interna com a comunidade) e 2o.) "...perseguindo o amor ao estrangeiro" (relação externa com o mundo) – (Romanos 12.13). Assim, o discípulo completo é o que em seu lugar age segundo a totalidade das instruções, e quanto mais estiver disposto a satisfazer as exigências do discipulado, maior será a sua entrega àquele que o chamou e maior será o seu poder de proclamação. Quanto a isso, nada mais contundente do que as metáforas de ação e de presença universais: vós sois a luz do mundo; a cidade que jaz sobre o monte não pode ser escondida (Mateus 5.14).



[1] Texto integral, parcialmente publicado na Revista Eclésia, ano 11, edição 125, 2008.
[2] Nos sinóticos, Marcos focaliza a proclamação: "tendo ido ao mundo todo, proclamai a boa-nova a toda criação" – Marcos 16.15, e Mateus faz escolhas lexicais que enfatizam a instrução: "tendo ido, portanto, fazei discípulos todos os povos..." - Mateus 28.19; ambos, apontam as preocupações co-existentes e inseparáveis da igreja primitiva.
[3] MATERA, Frank J. Ética do Novo Testamento. Os legados de Jesus e de Paulo. São Paulo: Paulus, 1999, p. 107.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

AMAR É...

Amar é estar junto, mesmo sem nada dizer...
Basta-me a presença muda.

MF