ADVERTÊNCIA

Este Blog contém algumas de minhas ideias, crenças e valores. Por não ter o objetivo de ser referência, não deve ser acolhido como "argumento de autoridade" e, muito menos, como verdade demonstrativa, cartesiana.

Aqui o leitor encontrará apenas reflexões e posições pessoais que poderão ser peneiradas e, por isso mesmo, rejeitadas ou aceitas, odiadas ou amadas. Assim, não espere encontrar fidelidade a alguma linha de pensamento ou a uma ideologia em particular. Permito-me a contradição, a incerteza, a hesitação, a descrença, a ironia; permito-me pensar.

Após as leituras, sei que uns concordarão, outros não, e haverá também os que encerrarão a visita levando uma pulga atrás da orelha. Não me importo. Se causar alguma reação, mesmo o desassossego, considero que atingi o meio. O fim fica por sua conta.

Abraços a todos e boa leitura.

PS: Acesse também: http://moisesolim1.blogspot.com.br/

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A TEOLOGIA FRENTE À MODERNIDADE E AO MODISMO

Moisés Olímpio Ferreira[1]

Tendo sustento e o que vestir, estejamos contentes (I Tim. 6.8)


Umberto Galimberti (2004), professor de Filosofia da História e Psicologia Geral da Universidade de Veneza, chama a atenção para os novos vícios da sociedade. Também ancorados na organização humana, que busca satisfazer suas necessidades e desejos, os novos vícios são alimentados pela economia, pela mídia, pelos sistemas de maketing e são aversos à ética da mortificação proposta pelo Cristianismo. A opulência oferecida pelo consumo e pela satisfação da necessidade contrasta nitidamente com a economia cristã. Deparamo-nos com a incompatibilidade das duas morais: mortificação x satisfação.
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Entre os novos pecados capitais, está o consumismo. O consumismo é um vício do mundo moderno? Galimberti (op. cit., p. 71) responde positivamente, porque “cria em nós uma mentalidade a tal ponto niilista que nos leva a acreditar que somente adotando, de maneira metódica e em ampla escala, o princípio do consumo e da destruição dos objetos podemos garantir para nós identidade, status social, exercício da liberdade e bem-estar”.
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Günther Anders (1992:35) corrobora essa idéia: “A humanidade que trata o mundo como um mundo a ser jogado fora trata também a si mesma como uma humanidade a ser jogada fora”. No consumismo, os produtos são fabricados para satisfazer as necessidades enquanto, ao mesmo tempo, criam necessidades para garantir a continuidade da produção. Estabelece-se, assim, o círculo da produção-consumo.
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Além disso, as mercadorias têm a necessidade de serem consumidas, e se tal necessidade não for espontânea, ela será produzida pela publicidade. Esta nos diz que devemos abrir mão do que temos para adquirirmos o novo que não podemos deixar de ter; apela para a destruição do antigo diante da criação da necessidade do novo. Tal destruição é o consumo, é a lei da destruição.
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É essa condição forçada que se apresenta como a imagem da destrutibilidade e que torna as coisas existentes obsoletas. Nessa cadeia econômica, os consumidores garantem a mortalidade dos produtos que, por sua vez, garantem a imortalidade dos consumidores. Cria-se, então, um mundo que pode ser jogado fora com reflexos no próprio confronto social.
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Se para Platão as coisas que existem parecem decadentes porque sofrem o efeito do tempo, aos olhos de nossa época a transitoriedade das coisas é a condição da existência delas, isto é, elas existem porque têm o status da não-permanência: a inconsistência lhes é condição essencial. A permanência de algo seria o fim da economia destruidora, consumista.
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Tudo é preparado para a inutilização rápida. A data de validade é curta quando a finalidade do que existe é o próprio fim. Assim, a temporalidade se dissolve pela precariedade do presente.
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Em uma cultura em que tudo perde o valor mais rapidamente do que a sua própria criação, a identidade pessoal fica agredida. Como o mundo em torno de nós é evanescente, sem consistência, do mesmo modo se torna a nossa identidade. Sem duração e sempre no limite da utilidade: tudo existe para ser consumido.
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Galimberti (op. cit., p. 76) afirma:
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"Em um mundo em que os objetos duráveis são substituídos por produtos destinados a se tornar obsoletos de modo imediato, o indivíduo, sem outros pontos de referência ou lugares para ancorar a sua identidade, perde a continuidade da vida psíquica, porque aquela ordem de referências constantes que está na base da própria identidade dissolve-se em uma série de reflexos fugazes, que são as únicas respostas possíveis àquele sentido difuso de irrealidade que a cultura do consumismo difunde como imagem do mundo."
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De fato, quando um mundo fundamentado em objetos e sentimentos duráveis acaba sendo substituído paulatinamente por um mundo habitado por imagens evanescentes, que se dissolvem com a mesma rapidez com que aparecem, torna-se sempre mais difícil distinguir entre sonho e realidade, entre imaginação e dados concretos.
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Isso certamente gera ansiedade pois, para o indivíduo desta época, a sua imagem é mais importante do que a sua capacidade, do que o seu caráter. Nesse processo, naturalmente ancora-se na teatralidade que nos faz viver apenas como representação para com os de fora. Tal condição nos torna também produtos consumíveis pelos que nos rodeiam, aos quais nos oferecemos.
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Fica certo, então, que a identidade – num mundo sem constância, sem durabilidade – torna-se incerta e problemática. Como a distância entre o real e o virtual está prejudicada, a identidade do indivíduo está incerta e pode ser descartada como tudo o que existe. O reflexo disso se verifica nas relações humanas (entre filhos – pais, marido – mulher, namorados, amizades, professor - aluno etc) em que tudo é descartável, sem compromisso, como um produto que se “usa e joga fora”: os vínculos entre os homens vão reproduzir as relações com os produtos de consumo.
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O não-cristão, para sanar as necessidades impostas pelo sistema, sai à busca, a todo custo, de realização profissional que lhe garantirá mais dinheiro e, também, novas necessidades. E isso me lembra Moltmann (1978:12) que alertou: “Achamos normal ocupar-nos avidamente em atividades pragmáticas para vencer as necessidades, as dependências e os sofrimentos” e completa: “Essa idolatria construída pelo trabalho, pelas realizações e sucessos, exige de nós tanto sacrifício como qualquer outro tipo de devoção. Os sacrifícios oferecidos aos ídolos dos nossos desejos e da nossa sociedade, são demasiadamente grandes”.
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O “novo-cristão”, por sua vez, busca o sucesso profissional, o enriquecimento, a realização pessoal por meio do trabalho, e sobretudo por meio da religião que incentiva a barganha com Deus.
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Portanto, houve a secularização da igreja, pois ela é composta de pessoas que vivem no mundo e que são influenciáveis por ele. Tanto quanto o sistema decaído, a igreja institucional protestante (falarei apenas de nós) tornou-se conivente com as idéias e com os vícios do mundo moderno. Muitas denominações, não só neopentecostais[2] mas também pentecostais e “tradicionais”, desenvolveram discursos dialéticos com a atual conjuntura sócio-econômica brasileira, divulgando valores mercadológicos fundamentados na prosperidade, no positivismo e nos manuais de auto-ajuda (Kenyon, Hagin, Benny Hinn entre outros). Benny Hinn (1991:295) diz:
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"Nunca jamais, em tempo algum vão ao Senhor e digam: “se for da tua vontade...” Não permitam que essas palavras destruidoras da fé saiam da boca de vocês. Quando vocês oram “se for da tua vontade,Senhor” a fé é destruída. A dúvida espumará e inundará todo o seu ser. Resguardem-se de palavras como essas, que lhes roubarão a fé e os puxarão para baixo, ao desespero."
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R.R. Soares, em O direito de desfrutar saúde (pp. 11 e 31) caminha na mesma direção:
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"Usar a frase “se for a Tua vontade” em oração pode parecer espiritual, e demonstrar atitude piedosa de quem é submisso à vontade do Senhor, mas além de não adiantar nada, destrói a própria oração. (...) Você deve exigir o cumprimento do seu direito imediatamente e, logicamente, ficar curado."
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Na teologia da prosperidade há o estímulo ao consumo, privilegia-se o individualismo do mundo pós-moderno, estimula-se o abandono da vida de negação aos prazeres temporais, incentiva-se a vaidade, a matéria, o empreendimento financeiro, a abundância. Com o crescimento vertiginoso dos templos e dos empreendimentos comerciais - auxiliados pela manipulação da massa por meio de investimentos maciços na mídia – presencia-se, nas palavras de Peter Berger (1985:149): “uma situação de mercado” com vantagens e benefícios. Ele completa: “As instituições religiosas tornam-se agências de mercado e as tradições religiosas tornam-se bens de consumo. E, de qualquer forma, grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado”. Pierucci (1997:112) usa as palavras “consumidor” para falar daqueles que buscam os serviços religiosos expostos no “supermercado espiritual”.
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Com um trabalho profissional invejável, é comum presenciarmos a fé ser apresentada em embalagem comercial. Por meio de promessas de riqueza fácil, de resolução automática de problemas (a expressão a partir de hoje/ a partir de agora está presente na boca de muitos pregadores televisivos: Deus vai te curar hoje, vai restaurar sua família hoje, vai curar o seu leito hoje, tenho revelação de Deus para te entregar hoje, Ele vai libertar seu filho hoje, vai abrir portar de trabalho hoje, Ele está te visitando hoje, você está livre hoje, você vai receber a bênção hoje, hoje você sairá vitorioso daqui ..), de venda de produtos que ensinam a vitória financeira, de testemunhos de pessoas com aparência de verdade afirmando terem alcançado sucesso e saída para as dificuldades, a venda da fé é feita esperando que toda essa produção mercadológica cause intenso estímulo no telespectador. É o fenômeno da secularização do sagrado.
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Prega-se a prosperidade como evidência verdadeira da fé; a simplicidade ou pobreza é fruto do domínio dos demônios que impedem que a abundância de Deus chegue até os crentes. Toda espécie de pobreza, doenças e sofrimentos procedem dos demônios.
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Os apologistas dessa teoria teológica sempre procuram atribuir ao Espírito Santo ou a Deus as suas “revelações” doutrinárias: “Deus me disse”, “Ele falou ao meu coração”, “O Espírito Santo me revelou”, “Deus me deu uma palavra”, “Eu tenho uma palavra do Senhor”, “O Espírito Santo ministrou ao meu coração”, “Eu tenho revelações de Deus para te entregar hoje”, “O Senhor está me mostrando” etc Tal discurso é uma operação proselitista agressiva que tem como finalidade tornar a pregação inquestionável: é Deus quem está falando, então obedeça! Silveira afirma (2007:36):
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"A lógica do raciocínio deixa pressuposto que é necessário, então, seguir as palavras desses líderes, pois que receberam a unção diretamente de Deus, são profetas pela vontade do próprio Deus, o que acaba por levar, de certa forma, o crente a caminhar de acordo com as vontades de tal pregador-profeta."
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Geralmente após um longo período de encorajamento ao entusiasmo frenético, segue-se um longo e maior tempo para recolha de ofertas com promessas de soluções imediatas e enriquecimento. Nesse contexto, as ameaças também são válidas: “tem gente retendo o que é de Deus”, “o devorador vai te pegar”:
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"Eu, há uma semana atrás, eu estava em dúvida em dar meu... cumprir com meu desafio de Josué, que era alta, era o quarto mês, e é um desafio bem alto o meu... E ali, o Senhor falou ao meu coração: “Vai firme, dá!” (...) E aí, eu acordei e orei, e continuei com o mesmo sentimento. Temeroso e não queria entregar nada. E aí, eu estava começando a dormir, eu ouvi o barulho de uma grande porta que se fechava: “Bláa”. E eu acordei, e não tem porta nenhuma se fechando. Era espiritual, era Deus mostrando: “Olha, você consagrando e sendo fiel, eu vou abrir uma porta, a tua oferta, o teu compromisso comigo é uma chave espiritual de bênção na tua vida, não é uma troca, é o posicionamento de fé” (...). Deus pode até trazer alguém de uma outra terra, de um lugar distante, pra te abençoar e eu estava com uma dívida e precisava cobrir naquela semana; veio um amigo nosso da Itália, e trouxe o valor e falou assim: “Olha, Deus me mandou te dar esse valor”, logo que ele chegou. Era o valor exato da minha dívida. Amém?" (Estevam Hernandes)
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É o momento da barganha com Deus, SIM. Uma barganha que exige sacrifício por parte do homem. O culto passa a ter caráter mercantilista e explorador. Em um país em que as necessidades são muitas e crescentes - porque a cada dia outras novas necessidades são criadas e ampliadas pelo sistema capitalista -, a prosperidade financeira encaixa-se como uma “luva” pois cria a esperança de se ter mais do que se precisa:

"As tuas finanças são dirigidas pelo Senhor, então não deixe teu emocional entrar... Faça o que o Espírito Santo está falando no seu coração! Tira da sua casa e dá! Eu te garanto que esse é um investimento mais bendito que alguém pode fazer na Terra. Não é que não vai fazer falta, não. Não é só isso. Não vai fazer falta, não vai mesmo. Mas o desejo do teu coração, Deus vai te dar!" (Sônia Hernandes)
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"Dependendo do grau de interesse do ofertante, o presente, por mais caro que seja, ainda assim se torna barato diante daquilo que está proporcionado ao presenteado. Quando há um profundo laço de afeto, ternura e amor entre o que presenteia e o que recebe, o presente nunca deve ser inferior ao melhor que a pessoa tem condições de dar" (MACEDO, 1996:12)
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Em canção de uma dessas igrejas está dito: “Dê, que Deus te devolverá, uma medida recalcada, sacudida e transbordante”, aplicando as palavras de Lucas para o retorno financeiro.
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Os discursos desses movimentos são fundamentados em uma teoria chamada Teologia da Prosperidade e na Confissão Positiva. Mariano (1995:147) afirma:
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"Essa doutrina encaixou-se como uma luva para a demanda imediatista de resolução ritual de problemas financeiros de fiéis mais pobres, como para a demanda dos que desejavam legitimar o seu modo de vida, sua fortuna e felicidade. Estes, agora, podiam se escudar nas novas concepções bíblicas da TP em vez de ter de recorrer, para seu tormento, à teologia (cf. Mateus 19.24; Marcos 10.25 e Lucas 18.25) que falava a respeito da impossibilidade do rico entrar no reino dos céus tal como o do camelo atravessar o buraco de uma agulha."
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Por isso, “...todo crente deve viver endinheirado, morar em mansão, desfilar em carrões, ficar livre de qualquer tipo de enfermidade durante todo o tempo de sua vida e possuir a natureza divina” (Romeiro 1996:35).
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O livro de auto-ajuda "O Segredo" espelha bem essas idéias que circulam no meio religioso:
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O PROCESSO CRIATIVO
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Primeiro Passo: Peça
O que você de fato quer? Sente-se e escreva numa folha de papel, usando o presente do indicativo. Você poderia começar assim: "Eu estou tão feliz e grato neste momento que..." E então explique como você quer que sua vida seja, em qualquer área.
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Segundo Passo: Acredite
O segundo passo é acreditar. Acreditar que já é seu. Ter o que eu adoro chamar de fé inabalável. Acreditar no invisível.
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Terceiro Passo: Receba
O terceiro e último passo do processo é receber. Comece a se sentir maravilhado a esse respeito. Sinta como você se sentirá assim que essas coisas chegarem. Sinta isso agora.
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Para isso, a autora baseia-se em textos bíblicos:
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"E tudo quanto pedirdes em oração, crendo, recebereis." Mateus 21:22; "Por isso vos digo que tudo o que pedirdes em oração, crede que recebestes, e será vosso." Marcos 11:24
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Silveira (2007:35) registra o discurso de Robson Rodovalho que, nitidamente atrelado à Teologia da Prosperidade, emprega argumentos ligados à natureza cósmica para convencer seu público:
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"Todas as vezes que você investe... o universo... te deve... é algo...universal... a soma dos espirituais, elas passam a ter uma dívida por você... cada vez que você libera sua energia... cada vez que você libera sua fé... cada vez que você libera o seu dinheiro... cada vez que você chora... suas lágrimas rolam... meu Deus... o universo (passa) a te prender... o mundo espiritual te... prende... é a sua integridade... ( ) .......e eu quero te dizer uma coisa... ele vai te pagar em/em vida... não é no céu não... é na Terra... ele vai te pagar... ele vai te pagar... ele vai ordenar...que os/as comportas do céu sejam abertas... o Deus eterno vai ordenar que a Terra responda... ao seu clamor..."
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Assim, a ética da mortificação de que falamos no começo desta palestra foi substituída pela busca do desfrutar da felicidade, da saúde física plena, do sucesso nos empreendimentos, do enriquecimento terreno. Prepara-se o cristão para este mundo, para esta vida (há muito a ser desfrutado aqui!) enfatizando o prazer como a finalidade do viver: Assim, não há problema algum em acomodar-se ao sistema consumista, pois “Deus” deseja que os crentes vivam o luxo, andem com roupas de grifes, que possam fazer cirurgias estéticas, que tenham grandes casas na cidade, na praia e no campo, que tenham vários carros na garagem, que tenham sucesso empresarial, que tenham ótimos empregos, que progridam nesses empregos e, se necessário, que tomem o lugar dos “incrédulos” nas posições de destaque, que vivam o “céu” na Terra etc. Como afirma Patriota (2003:29):
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" 'Ter um encontro com Cristo', portanto, não mais significa morrer e encontrar-se com ele no céu, corresponde tão somente, na visão dos que aderem ao neopentecostalismo, usufruir de 'toda sorte de bênçãos', gozando de uma vida próspera e feliz...:
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'Quando você sair lá fora e você ver o tamanho da guerra, o tamanho da luta, o tamanho da dificuldade, o que todo mundo ta falando, o que todo mundo ta comentando, você não vai deixar isso entrar no seu coração, isso não é com você. É com quem não tem Deus, você tem Deus, e você tem a bênção dEle na sua cabeça, sobre você: usa a bênção do Senhor.' " (Sônia Hernandes)
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Roldán (2004:11) associa esses fenômenos à pós-modernidade. Ele diz:
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"Essa vinculação entre pós-modernidade e teologia da prosperidade pode ser demonstrada se levarmos em conta alguns elementos do discurso que caracteriza essa perspectiva: solução mágica e imediata dos problemas humanos, pragmatismo, segurança nos resultados, atrativo convite a participar do “negócio de Deus”. A criatividade da teologia da prosperidade se fixa nos elementos que a tornam atrativa e revestida de uma roupagem de infalibilidade: lei da prosperidade, lei da semeadura e colheita, aplicação em negócios altamente lucrativos (...). A teologia da prosperidade modifica nossa compreensão de Deus, que um Pai solidário com os pobres e excluídos, se torna um capitalista resoluto que se pronuncia a favor do mercado; que um Jesus de Nazaré que nasceu pobre, viveu pobre e morreu pobre, se transforma em um Jesus rico que está a favor da acumulação e dos poderosos. Um evangelho de discipulado, de acompanhamento arriscado, de Jesus, se converte em um evangelho de ofertas. Enfim, estamos na presença de uma nova forma que, em seu tempo, Dietrich Bonhoeffer denominou: “graça barata”."
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Quanto à questão ministerial, os pastores desses movimentos geralmente não têm formação teológica adequada; quando muito, são formados em “escolas” do próprio movimento, que fortalecem a formação de um corpus fechado, de fabricação em série. O critério para serem empossados geralmente relaciona-se com a adequação à visão do grupo e devem ser capazes de gerar renda para a instituição: sistema capitalista de captação de recursos.
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Embora a argumentação baseada na emoção seja forte, os ensinos são fracos, teologicamente falando. Raramente há sermões expositivos produzidos pela pesquisa exegética; normalmente o que há é a ênfase em palavras de ordem objetivando a emoção. Pouco conteúdo em meio a uma enxurrada de afirmações positivas. Rivera (2001:269) sintetiza essa idéia na expressão: “discurso mínimo com emoção máxima”.
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As bizarrices pela falta de estudo sério da Bíblia conduzem mesmo às mais esdrúxulas afirmações:
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"Você é tanto uma encarnação de Deus quanto Jesus Cristo o foi..." (Hagin, 1980:14)
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"Eis quem somos: somos Cristo!" (Hagin, 1989:57)
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"Você não tem um deus dentro de você. Você é um Deus” (Copeland, 1987)
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Desse modo, ao tratar dos novos vícios (pecados capitais) da sociedade, o conceito de Galimberti abarca com precisão não só as condições coercivas do sistema socialmente estabelecido, mas também grande parte do mundo religioso atual. Particularmente quanto ao consumismo, por não se tratar de um vício pessoal, mas de tendência coletiva, caso consigamos pessoalmente resisti-lo correremos o risco de exclusão social. Galimberti (op. cit, p. 78) acredita que nada se pode fazer a esse respeito “porque a identidade pessoal para a qual apelar, para diminuir os inconvenientes do consumismo, já não existe, tendo sido, por sua vez, envolvida por um conjunto de necessidades e desejos programados pelo mercado”.
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E, realmente, quando pensamos especificamente nesse grupo que denomino de “novo-cristão”, realmente torna-se muito difícil acreditar que ele possa ser “desenformado”, tirado da forma em que foi constituído se considerarmos que a sua formação ideológica foi estabelecida por força coerciva (todo discurso ideológico é produto de uma formação ideológica) e a sua forma espiritual foi baseada em informações incorretas e distorcidas das Escrituras. O ambiente em que nasceram não favorece qualquer mudança.
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Moltmann, por sua vez, entende que “o estilo da vida cristã é caracterizado e moldado pelo evangelho” (p. 19), pois a vida cristã “é qualificada messianicamente pelo evangelho” (p. 20) e assim, enquanto o indivíduo - que vive sob a lei do mundo - tem um estilo ansioso e estreito, reprimido e agonizante de viver, o cristão pode experimentar a liberdade de ser ele mesmo, sem as algemas da ansiedade e da frustração que os novos vícios podem produzir. Isso está de acordo com Paulo quando escreve aos Filipenses 1.27: “tende um modo de viver digno do evangelho de Cristo”.
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Embora inserido na sociedade em que vive, influenciado pelas estruturas sociais de seu tempo, o cristão pode ter referência descentralizada do sistema construído na base do pecado, com quem deveria rivalizar diretamente. O apóstolo João escreve: “Não estejais amando o mundo, nem as coisas que estão no mundo. Se alguém está amando o mundo, não está o amor do pai nele” - (1João 2.15).
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Para Paulo, o Evangelho que liberta, é o poder de Deus para salvação de todo aquele que está no ato crer. Paulo orienta em Romanos 12.2:
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"e não estejais no processo de entrar no esquema junto com este tempo; ao contrário disso, ide metamorfoseando a mente pela ação de torná-la nova para estardes vós provando qual a vontade de Deus, a boa e agradável e completa."
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Paulo aqui propõe uma desconexão com a forma estabelecida (consentida como normal), com os princípios negativos que determinam ou modelam o modo de viver. O Evangelho, como poder de Deus, é manifestação da ação salvadora que preserva e não permite a dissolução da individualidade pela força coerciva do mundanismo, e ao mesmo tempo, não a deixa cair no individualismo da pós-modernidade. Na perspectiva de Julián Marías (2000:112):

"O cristianismo consiste na visão do homem como pessoa. (...) O cristão se vê a si mesmo como alguém inconfundível, não “algo”, um “quem” distinto de todo “quê”, com nome próprio, criado e amado por Deus, não só e isolado, mas em convivência com os que, por serem filhos do mesmo Pai, são irmãos. Sente-se livre e, portanto, responsável, capaz de escolha e decisão com uma realidade concebida, da qual não é o autor, porém, própria. Sabe-se capaz de arrependimento, de voltar-se sobre a própria realidade, aceitá-la ou repudiá-la e corrigi-la."
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É evidente, então, que as condições atuais não poderão ser enfrentadas pelas tradições, pelos usos e costumes de igrejas em particular. O enfrentamento dessa natureza já está fadado ao fracasso, dado às próprias condições temerárias e infundadas que os geraram.
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Somente a autêntica experiência com Deus e o conhecimento a respeito de Deus é que se pode permanecer em posição de resistência. Paulo alerta em Efésios 6.13:
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"Por isso, tomai acima a panóplia de Deus, a fim de que, no dia mau, estejais na condição de estarem em pé contra e, tendo realizado todas as coisas com o trabalho, permanecerem em pé."
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Entre as armas dessa panóplia, está o conhecimento do pensamento de Deus apreendido pelas Escrituras. Chamam-nos a atenção os versículos 16 e 17 do mesmo capítulo:
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"... tendo tomado acima o escudo da crença (prova) em que havereis de estar em condições de poder todos os dardos da maldade, [os] inflamados, apagar;
...e a espada do espírito, o que é palavra dita de Deus."
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No conjunto das armas de resistência encontra-se a crença baseada na prova – ESCUDO (arma passiva) – com a qual se defende dos dardos inflamados e a palavra de Deus – ESPADA (arma ativa) - para ataque.
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Para Paulo, deve haver crescimento do corpo por meio da ação de sua liderança:
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"E ele concedeu os apóstolos (os enviados), os profetas, os evangelistas, os pastores e os mestres visando à preparação dos santos para o trabalho de prestação de serviços, para edificação do corpo do Cristo" (Efésios, 4.11-2).
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E o alvo desse trabalho está estabelecido:

"até chegarmos, todos, à unidade da crença e do pleno conhecimento do filho do Deus, a homem adulto, à medida da idade da plenitude de Cristo" (Efésios 4.13).
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O alvo está longe de ser atingido e muitos entraves têm sido postos para deter sua realização. Às lideranças cabe o dever de preparar-se adequadamente para edificar a igreja de Cristo em sanidade e firmeza.
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Os conselhos de Paulo ao jovem líder Timóteo são aqui bem apropriados:
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"Prepara-te para apresentar-te aprovado a Deus, trabalhador que não se envergonha, que usa corretamente a palavra da verdade" (2Timóteo 2.15).
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"Tu, permanece nas coisas que aprendeste e creste, ciente da parte de quem aprendeste" (2 Timóteo 3.14).
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"Fica no ato de ter o exemplo das sagradas palavras que de junto de mim ouvistes em fé e amor em Cristo Jesus" (2Timóteo 1.13).
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Resumindo-os para a nossa meditação:
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“Usa corretamente a palavra da verdade”
“Permanece no que aprendeste e creste”
“Tenha o exemplo das sagradas palavras”


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERS, Günther. L’uomo è antiquato. Vol. II: Sulla distruzione della vita nell’epoca della terza rivoluzione industriale. Turim: Bollati Boringhieri, 1992.

BERGER, Peter. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.

BYRNE, Ronda. O segredo. Tradução de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998.

CAMPOS, Leonildo. Teatro, templo e mercado: a Igreja Universal do Reino de Deus e as mutações no campo religioso protestante. São Paulo: UMESP, 1998.

COPELAND. Kenneth. The force of love. Fort Worth, Texas, EUA: Kenneth Copeland Ministries, 1987. Fita cassete 02-0028.

GALIMBERTI, Umberto. Os vícios capitais e os novos vícios. Tradução de Sérgio José Schirato. São Paulo: Paulus, 2004.

HAGIN, Kenneth E. Zoe: The God-Kind of Life. Tulsa-OK, USA: Kenneth Hagin Ministries,1989.

______________. Having faith in your faith. In: The word of faith. Tulsa-OK, EUA, v. 13, no. 12, p. 14, dec. 1980.

HINN, Benny. Rise and be healed. Orlando, Florida, USA: Celebration Publishers Inc., 1991.

MACEDO, Edir. O perfeito sacrifício: o significado espiritual do dízimo e das ofertas. Rio de Janeiro: Editora Gráfica Universal, 1996.

MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando. São Paulo: Dissertação de mestrado em sociologia, FFLCH-USP, 1995.

MARÍAS, Julián. A perspectiva cristã. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MOLTMANN, Jürgen. Paixão pela vida. São Paulo: Aste, 1978.

PATRIOTA, Karla R. M. P. O fenômeno do marketing religioso: análise do discurso da Igreja Renascer em Cristo na Mídia. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pernambuco. Pernambuco: 2003.

PIERUCCI, F. Reencantamento e dessecularização: a propósito do auto-engano em sociologia da religião. Novos Estudos Cebrap, 49, nov. 1997.

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ROLDÁN, Alberto F. La iglesia frente al desafio de la posmodernidad y el pluralismo. In: Cuadernos de teología, volumen XX, Buenos Aires: Instituto Universitario Isedet, 2000, pp. 213-230.

ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em crise. São Paulo: Mundo Cristão, 1996.

SOARES, Romildo Ribeiro. O direito de desfrutar saúde. São Paulo: Graça Editorial, 198-?.

SILVEIRA, Marcelo. O discurso da teologia da prosperidade em igrejas evangélicas pentecostais. Tese de Doutorado. FFLCH-USP:2007.

NOTAS:
[1] Texto apresentado na II Semana Teológica do Instituto Educacional e Teológico Ebenézer, ocorrido em 24.06.2008.
[2] Conforme Campos (1998), os estudiosos do movimento neopentecostal nomeiam-no de diversas maneiras: “agência de cura divina” (Monteiro, 1979), “sindicato de mágicos” (Mendonça, 1992), “pentecostalismo autônomo” (Bittencourt,1994), “pentecostalismo de terceira onda” (Freston, 1993).