ADVERTÊNCIA

Este Blog contém algumas de minhas ideias, crenças e valores. Por não ter o objetivo de ser referência, não deve ser acolhido como "argumento de autoridade" e, muito menos, como verdade demonstrativa, cartesiana.

Aqui o leitor encontrará apenas reflexões e posições pessoais que poderão ser peneiradas e, por isso mesmo, rejeitadas ou aceitas, odiadas ou amadas. Assim, não espere encontrar fidelidade a alguma linha de pensamento ou a uma ideologia em particular. Permito-me a contradição, a incerteza, a hesitação, a descrença, a ironia; permito-me pensar.

Após as leituras, sei que uns concordarão, outros não, e haverá também os que encerrarão a visita levando uma pulga atrás da orelha. Não me importo. Se causar alguma reação, mesmo o desassossego, considero que atingi o meio. O fim fica por sua conta.

Abraços a todos e boa leitura.

PS: Acesse também: http://moisesolim1.blogspot.com.br/

quinta-feira, 31 de maio de 2007

SERVO: A MAIS PROFUNDA ENTREGA, O MAIS HONROSO LUGAR


Moisés Olímpio Ferreira

Certa vez, a mãe de Tiago e João pediu a Jesus um lugar especial para os seus dois filhos (Mateus 20.21). Fico imaginando aquela circunstância. Sem dúvida, os ouvintes se apertaram tanto quanto as pessoas do metrô da zona leste de São Paulo às 7h00 da manhã, curiosos, para ouvir o que Ele tinha a dizer a respeito.

Talvez um outro já tinha pensado em fazer o mesmo pedido para si mesmo e por isso se irritou por causa daquela mãe “estraga-prazeres”; outros que nunca tinham pensado nisso, possivelmente ficaram tentados a gritar “- eu também quero”, “ – eu também quero!” ; quem sabe Judas até pensou em negociar os melhores lugares ao lado do Mestre em troca de algumas moedas (afinal, é dando que se recebe, não é?).

Estava armada a confusão. Empurra-empurra, aperta-aperta, passa-passa. Naquela hora, valeria tudo: “- Além de discípulo, eu também sou sócio na mesma indústria de pescado deles!”, diria Pedro.

Quem sabe o melhor seria organizar tudo: “- Vou propor uma fila indiana. Assim, seria respeitada a ordem de chegada de cada um para reservar o lugar no Reino”, diria alguém preocupado com a aparência e o bem-estar do momento.

“- Duvido que isso dará certo”, afirmaria Tomé. “ – Acho que a ordem deve ser a alfabética”, proporia André. Tiago, certamente, protestaria veementemente contra essa sugestão ridícula.

Naquele momento, o “relógio” parou! Posso estar enganado, mas acho que ele parou mais do que com Josué. Silêncio total. Como diríamos hoje, dava para ouvir um lenço caindo.

Não sabemos se Tiago e João esperavam tal pedido de sua mãe; se não, fico imaginando a cara deles: vergonhosos, inquietos, sorrisos amarelos, cabeça baixa... Que gafe!

Não sei. Talvez se considerassem realmente dignos de um lugar especial e, por isso, estavam de acordo com a mamãe e, assim, os olhos estariam brilhantes e os lábios pendurariam sorrisos largos, pensando que, por pedirem primeiro, os melhores lugares estariam garantidos. Afinal de contas, eram filhos de Zebedeu, homem abastado, que tinha empregados e que era um exportador de peixes da Galiléia para Roma! Como o pai tinha dinheiro, mereciam um lugar especial no Reino!!

Sua mãe chamava-se Salomé (cf. Marcos 15:40). Ela era uma das que contemplaram a crucificação de Jesus. Se “a irmã dela” em João 19:25 for a Salomé de Marcos 15:40, João era primo de Jesus por parte de Maria. Talvez, então, Salomé quisesse usar seu parentesco de tia de Jesus para obter algum benefício. Afinal de contas, João e Tiago seriam seus primos!

Não sei exatamente o que pensaram, mas sei que arrumaram uma confusão danada. O texto diz que ...quando os dez ouviram isso, indignaram-se contra os dois irmãos (Mateus 20.24).

Seja como for, nenhuma pergunta chamou tanto a atenção dos discípulos como aquela. Quando se trata do “meu” quinhão, não há nada mais importante no mundo a ser tratado (diferente de hoje???). Todos estavam ao lado de Cristo desde o começo e não aceitariam essa situação sem discussão. Instalou-se o mal-estar.

Foi então que Jesus, aproveitando a situação, ensina:

Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos (Mateus 20.25-28).

Devo admitir que a resposta de Cristo causa estranhamento no mundo hodierno. É intrigante porque “servir” é algo ultrapassado nos discursos que hoje podemos ouvir na TV, no rádio ou ler em grande parte da atual literatura evangélica. Lemos e ouvimos muito sobre “determinação”, “recuperação dos bens perdidos”, “tomar posse”, “dar dinheiro para ter mais dinheiro”.

O cristão do século XXI está destinado à descaracterização de sua posição de servo passando a ser um novo senhor: senhor da criação, senhor de si mesmo e até senhor do Senhor. Mesmo com pouca pesquisa bíblica, é muito fácil detectar que “servir” a Deus não é exatamente o que hoje somos ensinados a viver.

O que me preocupa no cristão moderno é a sua cobiça de poder, é a sua fome de títulos, é a sua ambição pelo triunfo financeiro. Contaminado pela corrida mercadológica mundana, o cristão vive para realizações e sucessos que exigem dele tanto sacrifício como qualquer outro tipo de devoção, tornando-o escravo de seus desejos e dos ídolos da sua sociedade religiosa.

Há vários líderes esdrúxulos, fora do padrão bíblico. E são esses que se tornaram modelos para a igreja moderna; a multidão cegamente os adora!! Por terem contas bancárias bem recheadas, os seus seguidores acreditam que são espirituais. Em razão dessa falsa associação, muitos são levados a tê-los como padrão de verdade.

É preciso nos lembrar do conselho de Paulo a Timóteo. O apóstolo ensina-o que a busca do sucesso, da prosperidade, das riquezas não são sinais de vida íntima com Deus:

Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele.Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína (I Timóteo 6.7-8).

A orientação que a liderança da igreja tem tomado para o negócio lucrativo religioso (e para a ostentação de posições) tem transformado homens - que no passado foram servos da Cruz - em seres injustos, insensíveis e desumanos. Muitos são ludibriados pela grandiloqüência de suas próprias palavras, pelos aplausos da platéia, por suas obras faraônicas e até por sua cultura! Como resultado, acabam tendo suas consciências mortalmente afetadas, de modo que a Palavra de Deus não mais surte efeito. Acreditam em suas próprias ilusões e por isso as ensinam como verdades absolutas.

As Escrituras nos orientam em direção oposta a quase tudo que assistimos pela televisão (e a muito do que ouvimos em muitos púlpitos!). As Escrituras sempre serão o farol dos navegantes do imundo rio Mundo. Paulo alerta Timóteo quanto ao fato de que há homens que possuem mentes cauterizadas (insensíveis à verdade), que falam mentiras e procuram enganar os que estão no verdadeiro caminho da fé.

Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios; pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciência (1Timoteo 4:1 e 2).

Nessas circunstâncias, o melhor conselho é: afasta-te dos tais! (Romanos 16.17). Não sejamos influenciados pelas manobras que eles utilizam torcendo as Escrituras a seu bel-prazer! Fujamos de sua manipulação!

Jesus chamou-nos de servos e os apóstolos não se envergonharam dessa posição. Todos eles reconheciam e ensinavam que servo é a condição de todo salvo em Cristo Jesus. Eles conheciam esse papel e o assumiam com singeleza de coração. Interessante é notar que o mesmo termo empregado para “servos do pecado” também é usado para “servos de justiça” (Rm. 6.16-18), de modo que ser doulos (escravo) de Deus implica submissão. Antes, éramos escravos do pecado vivendo na servidão da iniqüidade e fazendo suas vontades; agora, somos servos de Deus vivendo a liberdade da justiça em oposição à glória humana.

Aqueles que estão em Cristo vivem na liberdade de Deus, mas gozam-na por meio de Cristo, isto é, desfrutam refletidamente da liberdade que Cristo dá de Si, por Si e em Si mesmo. Assim, ao servo de Deus cabe a total dependência dEle.

Nesse conceito, a mensagem da Cruz é a de total entrega: E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim (Mateus 10.38). Que abandonada mensagem! Por não poderem rasgá-las de suas Bíblias, enterraram-na em seus discursos. Ao servo de Cristo está dado o papel da humildade, da pureza, da morte do velho homem, da Cruz: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me (Mateus 16. 2).

Na cruz, está a morte, a vergonha, a humilhação, o escândalo que firmam o nosso posicionamento contra o mundo e ratifica a novidade de vida que há no verdadeiro servo de Cristo. Cristo tomou a cruz histórica para capacitar-nos a tomar a nossa! Não a cruz de salvação, não a cruz para sermos dignos de salvação (jamais poderíamos sê-lo), mas a cruz do andar de modo digno do Cristo que nos salvou.

A profunda entrega nos protege das lisonjas humanas, dos interesseiros “tapinhas nas costas”, dos elogios perniciosos, das posições e dos projetos que engordam o “eu”, dos objetivos puramente materialistas, dos propósitos de conquistas para si mesmo ou para seu império pessoal, das esquizofrenias, das megalomanias que podem infiltrar-se em nosso interior e nos desviar da função cristã.
O autêntico servo deve saber que será perseguido quando toma a sua cruz. Não deve esquecer que será envergonhado por carregá-la; deve ter em mente que sofrerá danos por causa do autêntico evangelho. Entretanto, sabe que não foi chamado para ser um sucesso, mas para ser servo do Deus vivo com todas as implicações que disso advêm.

Sob os critérios religiosos atuais seria muito difícil nomear como ministros de sucesso aqueles que experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões... que foram apedrejados, serrados, tentados, mortos a fio de espada; que andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos e montes, e pelas covas e cavernas da terra (Hebreus 11.36-40), exceto quando erroneamente associam a devida prisão por crimes cometidos (como lavagem de dinheiro ou escondê-lo dentro da Bíblia, que em nada é mais santo do aquele que foi escondido na cueca) com perseguição injusta.

As regras do Reino de Deus são inversas às do nosso mundo. Nele, o maior serve o menor, o senhor lava os pés dos servos, o ofendido busca e oferece reconciliação, o amigo morre pelo inimigo, o bom perdoa o mau, o sacrifício é inferior ao amor, a ofensa é retribuída com perdão, o ódio é pago com amor, vale o que há no coração e não o que há na aparência. Assim, o Reino de Deus será composto por servos e não por senhores, todos operando para o bem comum. O mais honroso lugar no Reino é o de servo. Nós, do Filho Eterno; o Filho Eterno, de Seu Pai.

Jesus nos lembra: Não é o discípulo mais do que o mestre, nem o servo mais do que o seu senhor (Mateus 10.24). A resposta ao estúpido pedido daquela mãe foi: quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do Homem...(Mateus 20.26).

Se quisermos nos parecer com Jesus, sigamos o exemplo de Cristo:

...existindo continuamente sob a forma de Deus, não de forma violenta conduziu-se para continuar sendo de modo igual a Deus, mas esvaziou a si mesmo, tendo tomado a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e tendo sido achado em aspecto como homem, humilhou-se, tornando-se submisso até a morte, morte de cruz (Filipenses 2.5-8).

Cristo abriu mão de sua glória, esvaziou-se dela, não defendeu Seus direitos reais com unhas e dentes, mas, fazendo-se homem, mostrou-se servo do Pai morrendo a morte humilhante de cruz: Eis aqui o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito, em quem se apraz a minha alma; pus o meu espírito sobre ele; ele trará justiça aos gentios (Isaías 42:1-2).

Ser servo de Deus não é acumular conquistas e riquezas, não é manejar uma política fisiológica, não é ser um dono de grandes empresas, não é pertencer às altas posições eclesiásticas, não é fazer pactos, laços, alianças não transparentes com pretensões cristãs.

O servo de Deus entrega-se a Deus e permanece próximo do humano, do pecador, do pequeno, do simples, do necessitado para transmitir-lhe a Graça do Pai. Sua preocupação não é lançar luz sobre si mesmo, mas é apontar para seu Senhor. Ele não está interessado em ter sua foto divulgada em jornais, revistas ou TV porque reconhece que convém que ele diminua e seu Senhor cresça.

Cristo ...se entregou a si mesmo... (Gal. 2.20; Efésios 5.2 e 5.25) e foi pela sua total entrega que Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o SENHOR, para glória de Deus Pai ( Filipenses 2. 7-9).

A canção do servo deve ser: Servi ao SENHOR com alegria... (Salmo 100.2), servi ao SENHOR com temor, e alegrai-vos com tremor (Salmo 2.11), ...servi ao SENHOR com todo o vosso coração (1Samuel 12.10) porque ...quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer ( Lucas 17.10).

quinta-feira, 24 de maio de 2007

AVIVAMENTO EM HABACUQUE

AVIVAMENTO EM HABACUQUE

Moisés Olímpio Ferreira

Tenho ouvido, ó SENHOR, as tuas declarações e me sinto alarmado; aviva a tua obra, ó SENHOR, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida; na tua ira, lembra-te da misericórdia (Habacuque 3.2).


Sobre Habacuque há poucas informações disponíveis. A própria introdução do livro não nos fornece pistas de sua cidade natal, de sua tribo ou de sua família. Entretanto, não podemos nos iludir: essa condição de apagamento histórico não indica distanciamento ou indiferença do profeta em relação ao seu povo. Pelo contrário, o homem Habacuque encontra-se inserido nas dificuldades e problemas inerentes à sua nação, em seu tempo.

Logo na abertura do livro, ele pede o final das injustiças[1]. Ele se mostra impaciente diante da violência, dos crimes, das injustiças, das leis que haviam sido deturpadas, dos direitos que haviam sido violados nas disputas e litígios em Judá. Ele viveu durante um dos períodos mais críticos de sua nação. Após a deterioração das reformas de Josias, Judá passou a conviver com medidas de tratamento violento de seus cidadãos, com critérios opressores contra o necessitado, e com a ruína do sistema legal.

Por que me mostras a iniqüidade e me fazes ver a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há contendas, e o litígio se suscita. Por esta causa, a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta, porque o perverso cerca o justo, a justiça é torcida (1.3,4).

Ele clama a Deus ao vivenciar essa situação trágica. Ele vive e reage. Ele “vê” – v.3: por que me mostras... - (certamente não era simplesmente ver, mas sentir na pele) as opressões e, de certa forma, em oração tensa, requer de Deus uma ação urgente. Diante a dura realidade, ele não entendia como é que Deus podia permanecer impassível. Para ele, Deus parecia mostra-se desinteressado: “clamo e não me escutas”:

Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! E não salvarás? (1.2).

Esse grito de revolta interior encontramos também em outras situações. Pertence àqueles que estão boquiabertos frente às desgraças humanas:

Jó 19.7: Eis que clamo: violência! Mas não sou ouvido; grito: socorro! Porém não há justiça.
Jeremias 20.8: Porque, sempre que falo, tenho de gritar e clamar: Violência e destruição! Porque a palavra do SENHOR se me tornou um opróbrio e ludíbrio todo o dia.

Como resposta, Deus convida Habacuque a “olhar”, a “ver” o que está acontecendo nas terras exteriores, nas outras nações, no panorama internacional: Vede entre as nações, olhai... (1.5). Vendo, ele deveria compreender o que Deus já estava fazendo. Por meio do Império Babilônico a justiça requerida seria realizada:

6) Pois eis que suscito os caldeus, nação amarga e impetuosa, que marcham pela largura da terra, para apoderar-se de moradas que não são suas. 7) Eles são pavorosos e terríveis, e criam eles mesmos o seu direito e a sua dignidade. 8) Os seus cavalos são mais ligeiros do que os leopardos, mais ferozes do que os lobos ao anoitecer são os seus cavaleiros que se espalham por toda parte; sim, os seus cavaleiros chegam de longe, voam como águia que se precipita a devorar. 9) Eles todos vêm para fazer violência; o seu rosto suspira por seguir avante; eles reúnem os cativos como areia. 10) Eles escarnecem dos reis; os príncipes são objeto do seu riso; riem-se de todas as fortalezas, porque, amontoando terra, as tomam. 11)Então, passam como passa o vento e seguem; fazem-se culpados estes cujo poder é o seu deus. (1.6-11).
Mas tal resposta não o satisfaz, pois implica a destruição de Jerusalém – o que efetivamente ocorreu em 587 a.C. pelo caldeus. Estes se apoderavam dos povos com violência e destruição[2] -. Ele protesta, queixa-se novamente a Deus, pois tal “solução” divina apresentada criou nele um problema de ordem ainda maior, de natureza moral. Então, interroga Deus, afirma que embora Ele conheça os acontecimentos desastrosos futuros, parece fingir não vê-los. Se vê, por que se cala, então? Para o profeta, o silêncio divino depunha contra Ele:

13) Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar; por que, pois, toleras os que procedem perfidamente e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele? 14) Por que fazes os homens como os peixes do mar, como os répteis, que não têm quem os governe? (1.13-14)

Que tipo de povo era esse para que exercesse juízo? Poderia executá-lo? Como Deus pode usar como instrumento de juízo um povo mais cruel e desumano do que aquele que está sendo punido? (Baker, 2006:325). Para o profeta, isso não poderia acontecer. Eram violentos, cruéis, cultuadores de seu próprio poder:

15) A todos levanta o inimigo com o anzol, pesca-os de arrastão e os ajunta na sua rede varredoura; por isso, ele se alegra e se regozija. 16) Por isso, oferece sacrifício à sua rede e queima incenso à sua varredoura; porque por elas enriqueceu a sua porção, e tem gordura a sua comida. 17) Acaso, continuará, por isso, esvaziando a sua rede e matando sem piedade os povos? (1.15-17).

O profeta se perguntava: é possível que o menos justo possa aplicar justiça ao mais justo? Nessa “pescaria” babilônica, Habacuque questionava-se: é possível que semelhante expedição de pescaria tenha sido organizada pelo Deus santo?[3]. A invasão babilônica lhe era intolerável: a “cura” de uma invasão babilônica é pior do que a “enfermidade” do pecado de Judá (Becker, 2006:328). Por isso, ele se põe atento para ouvir o que Deus tem a dizer a respeito de suas queixas:

Pôr-me-ei na minha torre de vigia, colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que Deus me dirá e que resposta eu terei à minha queixa (2.1).

Deus, então, lhe responde. Manda registrar o que dirá, pois deveria ser lida por outras pessoas - sobre os quais se cumpriria o mesmo princípio - daquele e de outro tempo (2.2-3). O juízo haveria de chegar, o momento da vingança contra a Babilônia estava por vir[4]:

O SENHOR me respondeu e disse: Escreve a visão, grava-a sobre tábuas, para que a possa ler até quem passa correndo. Porque a visão ainda está para cumprir-se no tempo determinado, mas se apressa para o fim e não falhará; se tardar, espera-o, porque, certamente, virá, não tardará.
Em seu cântico de agradecimento a Deus que está no capítulo 3, o profeta - tendo em vista as obras que Deus já havia feito (da fama de juiz sobre o violento, das declarações de destruição que fez por causa da arrogância, da injustiça, da luxúria, etc.) - primeiramente “se sente alarmado” - 3.2 -, isto é, ele reage com sentimento de espanto diante do poder julgador de Deus ao qual também deve submeter-se. Babilônia seria julgada, mas Judá não ficaria ileso. O julgamento próximo de seu país, e que o atingiria, já tinha sido prenunciado em 1.5:

Vede entre as nações, olhai, maravilhai-vos e desvanecei, porque realizo, em vossos dias, obra tal, que vós não crereis, quando vos for contada. (grifos nossos)

Em 1.2 o profeta pergunta: até quando? Em 1.5, Deus responde: realizo em vossos dias... A ação julgadora de Deus se daria no momento histórico em que o profeta vivia. A visão da injustiça seria trocada pela contemplação do ato divino ajuizador.

O que Deus realizaria? O texto diz-nos: obra tal. E a que obra se refere? À do juízo por meio do povo babilônico (1.6-11). E o caráter dessa punição está baseado na excepcionalidade, na inacreditabilidade, no inarrável: vós não crereis, quando vos for contada. Isso justifica que em 3.2 o profeta se mostre apavorado porque ele “ouve” as declarações de Deus e elas, na concretização histórica – no âmbito do “ver” e do “sentir” -, são aterrorizantes.

Entretanto, como Schökel & Diaz (2002:1140) afirmam: Em meio a uma situação trágica, sinal da cólera divina, o profeta ouve e contempla visão terrível e libertadora (grifo nosso).

Daí resulta a sua segunda reação: Habacuque pede a atualização, a “presentificação” da ação poderosa de Deus. Assim como Ele agiu no passado, Habacuque roga que assim se repita: aviva, dê vida, realiza, manifesta as Suas ações! Os atos passados devem ser “avivados”... de modo que a obra de Deus, junto com ele próprio, possa uma vez mais tornar-se conhecida (cf. 2.14). Essa obra de Iavé na história está descrita nos versículos de 3 a 15, sob aspecto de poder e julgamento (Baker, 2006:352).

Mas o que é que ele está pedindo com isso? De forma direta temos: Castigue os judeus pecadores, puna-os! Aplique a justiça sobre o seu povo para que a injustiça cesse entre nós. Em um sentido mais específico, como afirmam Pheiffer & Harrison[5], o verbo aviva pode ser entendido como: ponha em operação as Suas obras, isto é, o Seu programa exposto, para que se torne uma ação viva. É isso que para Habacuque significa: aviva, Senhor, a tua obra.
Tais ações devem ser vistas, observadas, vivenciadas pelas gerações no decorrer dos anos. Ele roga para que a obra tal não seja jamais esquecida: no decurso dos anos, faze-a conhecida. Embora as implicações dessa oração não estejam revestidas de bênção imediata (mas de sofrimento pela correção: ele contempla uma visão terrível e teme), o profeta reconhece que a deterioração da verdade, a deturpação dos valores, a violação dos direitos que geram violência, crime, roubo e a permanente impunidade face às injustiças devem ser punidos.

AVIVA, SENHOR, A TUA OBRA! E a tua obra no texto é a manifestação do Deus-Juiz que, tanto quanto o profeta, requer Justiça. Avivá-la é aplicá-la, é executá-la, é trazê-la à realização histórica. O profeta que gritava, que não suportava a iniqüidade, que não era mais capaz de ver a opressão, o afrouxamento da lei, a perversão entre seu povo era a representação humana da voz de Deus em seu estado de ira. Os anseios do profeta eram os de Deus.

Mas Deus destruirá seu povo? Habacuque roga: na tua ira, lembra-te da misericórdia (3.2). O Senhor é misericordioso para com aquele que tem fé (e observemos que ter fé nesse contexto significa viver separado das perversidades apontadas por Habacuque; a fé está concentrada em resultados factuais da vida prática): o justo viverá pela fé (2.4). Não se trata de fé no campo da abstração, de um pensamento metafísico, mas no da crença manifestada por meio de atitudes concretas.

A Babilônia chegará aos portões de Jerusalém como forma de juízo divino, mas os medo-persas também chegarão aos portões da Babilônia para julgá-la. Quem sobreviverá? O justo em sua fé. O profeta ouviu a resposta de Deus e satisfez-se.

O salmo de Habacuque (capítulo 3) exalta Deus por sua grandeza e mostra-O como o grande Deus-Guerreiro que saiu de seu lugar para salvar a parte de Seu povo que injustamente estava agredida, humilhada, indefesa. Apesar do iminente juízo, o profeta exclama atitude de fé quanto ao futuro:

Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação. O SENHOR Deus é a minha fortaleza, e faz os meus pés como os da corça, e me faz andar altaneiramente (3.17-19).

A partir desse contexto, podemos pensar um pouco sobre “avivamento” no mundo moderno. O profeta, insatisfeito com as condições morais em que vivia - reflexos das condições espirituais do povo -, roga por justiça que se dá por meio do “avivamento”. Na verdade, só se clama por um aquele que não se conformou com o sistema vigente. Paulo já alertara sobre isso:

Romanos 12.2: E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
O verbo usado por Paulo, traduzido como conformeis, é syskhematídzesthe, composto por syn (com) mais o verbo skhematídzo (eu assumo uma maneira de ser). Assim, o sentido da oração inteira é: não entreis no ato de, com a presente era, assumir uma maneira de ser. Somente os que assim decidem fazer é que se tornam insatisfeitos e rogam avivamento.

Mas não se trata de uma emoção, de um “movimento” ou de um “mover” no sentido atualmente empregado no meio evangélico; nada tem a ver com alguma manifestação de experiência mística particular; nada tem a ver com movimentação religiosa de rua, de agitação, de carros alegóricos ou trios elétricos, com o fim de encobrir e justificar criminosos de púlpito ou obter votos para político corrupto; não está relacionado à compra de prédios para culto religioso, a grandes construções de torres para promoção denominacional; à compra de grandes terrenos para benefício do senhor-Eu; não se refere à mercantilização do evangelho, ou à prática ilícita de negociatas com o divino para enriquecimento; não tem a ver com a quantidade de programas “evangélicos” (por sinal, horríveis) na TV, especialistas em venda de produtos e em milagres falsificados que só enganam os incautos.

Somos constantemente convidados a fazer parte de alguma recolha de dinheiro, e os títulos dados são bem variados: mantenedor, associado, patrocinador, contribuinte, parceiro, devoto, sócio-contribuinte, Gideão (tenho que admitir: são criativos quando o assunto é dinheiro). Um deles oferece, em troca da oferta, a colocação do nome do contribuinte em um “Livro de Ouro” que, como a tocha olímpica, passará por diversas igrejas deles para receber oração. Atingindo a ganância humana, somos convidados a fazer parte de campanhas de prosperidade como a de “Abraão”, a de “Isaque”, a de “Jacó”, a de “Elias” que me parecem mais campanhas em homenagem a “Judas, o Iscariotes”.

“Avivamento” nada tem a ver com os vales de sal, com as campanhas de descarrego. Nada tem a ver com a atual e ridícula movimentação chamada “apostólica” em que o líder é adorado e sua autoridade é papal. Em uma conferência, vi um deles com brochas encharcadas, jogando água no povo para “abençoá-lo”; no ápice da loucura, despejava água na cabeça do povo com baldes. Ridículo! Os discursos são todos construídos em “chavões” mortos, em forma de rezarias sem rosário, judaizantes e farisaicos. Em 2006, na 4a. Conferência Apostólica vi e ouvi pela TV o cântico: Espírito, Espírito, Espírito Santo de Deus... e o apóstolo lusitano completava: derrama sua unção financeira! Para eles, é isso que é avivamento.

Essas formas chamadas por alguns de “avivamento” passam e, no decurso do tempo, caem no esquecimento ou na religiosidade morta. Elas apenas são expressões de promoção das paixões humanas.

Habacuque fala de algo duradouro, permanentemente atualizado: aviva a tua obra, ó SENHOR, no decorrer dos anos, e, no decurso dos anos, faze-a conhecida.

O que disso se pode afirmar é que alcançar e implantar em estado completo (verdadeiro avivamento) a boa, agradável e perfeita vontade de Deus deve ser o alvo primeiro do cristão. Se isso, entretanto, na esfera da responsabilidade humana, é cair no projeto de natureza irrealizável, cabe-nos, então, buscar (rogar, clamar, insistir com Deus) a manutenção permanentemente viva da ação poderosa ajuizadora de Deus no mundo. A insatisfação causada pelos pecados da própria Igreja e da sociedade leva o verdadeiro cristão a desejar ardentemente a manifestação constante da justiça de Deus.

Desse modo, se pudermos falar em avivalista, interessa-nos não o quanto ele domina a linguagem, ou o quanto o seu discurso tem poder persuasivo ou psicologicamente afetador, fazendo seu auditório pular, cair, chorar, rir, sapatear, voar, desmaiar, dar “chiliques” (que são manifestações passageiras e fugazes e que, portanto, não satisfazem o coração daquele que busca o avivamento que Habacuque pediu) ou vendendo “Bíblias de vitória espiritual e de bênção financeira”, que não passa de marketing capitalista de pregadores comprometidos com seus próprios umbigos!

Na verdade, interessa-nos no avivalista o quanto ele instrumentaliza a concretização do programa de Deus no mundo, do reino de Deus baseado na Justiça, Paz e Alegria no Espírito Santo (Romanos 14.17). O cristão, juntando sua voz à do profeta, deve rogar a realização da obra divina que impõe juízo irrestrito contra o pecado (inclusive ao da Igreja) e, ao mesmo tempo, salvação gloriosa aos que têm fé.

Deus tenha piedade de nós!
[1] Schökel e Diaz (2002:1123) alertam: O livro de Habacuc é um dos mais discutidos do AT. O problema básico é o seguinte: em diversos momentos (1,4.13; 2,4) ele contrapõe a atitude e o destino do inocente e do culpado. Mas,quem é o inocente e quem é o culpado? Trata-se de conflito interno entre os diversos grupos judaítas, ou de conflito entre Judá e alguma ou algumas potências estrangeiras? As opiniões são muito variadas. Na p. 1124, eles admitem a seguinte posição: Para a maioria dos críticos, o livro fala da opressão de Judá por país estrangeiro, embora não se saiba de que povo está se falando. Uma linha diferente de interpretação que sintetiza as duas anteriores é a que adotamos neste trabalho.
[2] De acordo com BAKER, David W. Habacuque. In: BAKER, David W. et alii. Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias. Tradução de Robinson Malkomes et alii. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 324: a invasão prevista por Habacuque pode ter-se dado em qualquer momento antes de 587 a.C., quando Jerusalém foi finalmente destruída pelos babilônios. Essas profecias foram provavelmente apresentadas algum tempo antes. Um período possível seria o do reinado de Jeoaquim (609-598 a.C.), quando a presença babilônica fazia-se sentir cada vez mais. Em 598 a.C., os babilônios marcharam contra Judá, e então Jeoaquim morreu, provavelmente assassinado (cf. Jr 11.18-19; 36.30). O conhecimento pessoal da brutalidade babilônica (cf. 1.12-17) ajusta-se bem a esse período.
[3] SCHÖKEL, L. Alonso & DIAZ, J.L. Sicre. Profetas II. Tradução de Pe. Anacleto Alvarez, 2a. edição, São Paulo: Paulus, 2002, p. 1133.
[4] O juízo sobre a Babilônia ocorreu muitos anos depois em batalha contra as forças medo-persas que estavam sob o comando de Ciro (539 a.C.).
[5] PFEIFERR, Charles F. & HARRISON, Everett F. Comentário Bíblico Moody. Vol. 3 – Isaías a Malaquias.Tradução de Yolanda M. Krievin, São Paulo: IBR, 1987, p. 340.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

A Verdade

Cristo afirma ser a “Verdade”. Não se nega, como valor abstrato, a existência da Verdade. Entretanto, se descermos ao nível das definições, haverá muitas controvérsias a seu respeito. Essa afirmação só pode ser corretamente compreendida se admitirmos que nEle todas as verdades estão contidas, sejam elas quais forem e de onde vierem.

MF