ADVERTÊNCIA

Este Blog contém algumas de minhas ideias, crenças e valores. Por não ter o objetivo de ser referência, não deve ser acolhido como "argumento de autoridade" e, muito menos, como verdade demonstrativa, cartesiana.

Aqui o leitor encontrará apenas reflexões e posições pessoais que poderão ser peneiradas e, por isso mesmo, rejeitadas ou aceitas, odiadas ou amadas. Assim, não espere encontrar fidelidade a alguma linha de pensamento ou a uma ideologia em particular. Permito-me a contradição, a incerteza, a hesitação, a descrença, a ironia; permito-me pensar.

Após as leituras, sei que uns concordarão, outros não, e haverá também os que encerrarão a visita levando uma pulga atrás da orelha. Não me importo. Se causar alguma reação, mesmo o desassossego, considero que atingi o meio. O fim fica por sua conta.

Abraços a todos e boa leitura.

PS: Acesse também: http://moisesolim1.blogspot.com.br/

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

ESTRANHO FRATERNAL

Moisés Olímpio Ferreira


Era cedo. Não tão manhã como costumeiramente atravessava a passarela do metrô rumo ao trabalho. Era mais tarde, quando o sol de janeiro já estava fervente tanto quanto aquelas agitadas pessoas ensolacaloradas que a passos largos e rápidos entrecruzavam-se em idas e vindas frenéticas que, a bem da verdade, ocorrem mais pelo hábito do que pelo compromisso.

É necessário gastar horas para observar todos aqueles tipos diferentes que por lá passam diariamente. Engraçadas caretas que muitas vezes senti vontade de imitar só para ver a reação do meu inspirador; divertidas carecas lustrosas - lisas peles descabeladas que quis espalmar gostosamente!! Sinto-me, por instantes, revestido das travessuras do sargento de milícias. Mas também.... Há algo mais hilário do que o ser humano? Certamente Deus-prazenteiro o criou para, entre outras coisas, diverti-lo.

Aquele dia não foi como os outros, embora tudo indicasse o contrário. Andava acompanhando a turba, rindo por dentro das imagens que via, reproduzindo-as na mente em velocidade delirante pelo turbilhão de informações que coletava, saboreando cada lúdico quadro dos bigodes finos, largos, curtos, medianos, compridos, negros, cinzentos, brancos, espetados, penteados, amassados, retos, curvos, tortos, altos, baixos, densos, rasos... ou das cabeças que, se adjetivadas, preencheriam muitos versos; rostos de tantos formatos; bocas multidiversificadas; narizes dos mais interessantes e bandeirosos...

Vi-me imediatamente atrás da camisa xadrez; calça e sapatos gastos; à mão a mala pequena, escura, envelhecida; tudo me parecia familiar. O cabelo já acinzentado revelava a sua idade. Não sei explicar a razão do pasmo que senti, mas fiquei com certo estarrecimento compreensível; abrandei meus passos e a distância naturalmente se estabeleceu entre nós. Apesar do sentimento fraternal, senti-me confuso e não entendi por que agi assim, mas foi a única resposta ao estímulo que sofri.

Há ações que são explicadas e regidas mais pelo coração do que pela mente. Agir nos momentos das impossibilidades pela força interior desconhecida é evidência dessa energia guardada na alma; ao mesmo tempo, há aquelas que são instintivas como a proteção pelo medo, a preservação pela fuga, a salvação pelo ocultar-se.

Curioso, espiei de lado e então vi os seus óculos, o nariz firme, pontudo, voltado para cima, a pele branca desgastada pelo tempo; mesmo sem ter olhado de frente, sabia que os olhos eram azuis, bonitos mesmo. Tinha traços leves, gentis, calmos que davam a conhecer sua docilidade. Mas enquanto o seu ritmo era contínuo, o meu diminuía momento a momento e o espaço entre nós tornou-se grande, bem maior do que os poucos metros que nos separavam; estávamos ali, na mesma passarela, longínquos.

Sem olhar para trás, não me percebeu; sem uma só parada, não cuidou ser observado. Mas, como poderia fazê-lo? Que tolice a minha! Tinha ocupação e direção certa, coisas a resolver: família, trabalho, projetos, religião, preocupações... Com que intenção o faria? Para mim? Um estranho?

Passou a catraca e eu fui direto, cada um por seu caminho, pensativo...